Tuesday, October 11, 2005

Alto nível de escolaridade como factor gerador de desemprego

A educação é considerado hoje em dia como o factor mais importante para o desenvolvimento e crescimento económico de um país. A minha teoria não pretende negar esta afirmação, mas em vez disso demonstrar que esta afirmação pode ser pervertida e causar um efeito nefasto no crescimento e desenvolvimento de um país. Primeiro, posso apresentar o caso da Irlanda em que a educação foi considerada à poucas décadas atrás como factor chave do crescimento económico e hoje em dia a Irlanda é um dos casos de sucesso da actual União Europeia. A Irlanda teve também muitos factores a favor, como a sua posição geográfica em relação ao Reino Unido, a língua e as vantagens fiscais dadas na altura certa a investidores estrangeiros, nomeadamente americanos, apostarem neste país. Qualquer empresa americana, especialmente na área das novas tecnologias, teria a Irlanda como país de eleição ao procurar um sítio para instalar o seu centro de operações na Europa. A questão que se levanta é se a Irlanda tinha investido na educação para fomentar o crescimento económico, em especial a partir de investimento directo estrangeiro ou se este investimento criou a necessidade de investir na educação? Provavelmente isto é um ciclo vicioso, ou melhor um sistema com realimentação positiva, em que a consequência de um factor é a causa do outro factor.

Por outro lado, a Espanha é um exemplo contrário ao da Irlanda. Não só tem um nível de desemprego muito elevado, como está em quase todos os indicadores económico-sociais em posições abaixo da média europeia. No entanto, a Espanha tem um elevado número de licenciados e mesmo de pós-graduações que, associado aos salários baixos, deveria constituir só por si um factor de atracção de investimento estrangeiro e de desenvolvimento económico. Na minha perspectiva, a situação razoável da economia espanhola deve-se apenas a aspectos históricos, já que o seu próprio investimento nas suas antigas colónias da América Latina tem gerado rendimentos típicos de países em vias de desenvolvimento. Se a educação não tem sido um factor de desenvolvimento económico, será que tem sido um factor contra? Na minha opinião, sim.

O modo como se investiu na educação em Espanha tem sido prejudicial para o crescimento económico. É verdade que tem sido investido muito dinheiro e não me admiraria nada se Espanha tivesse uma das maiores percentagens do Produto Interno Bruto (PIB) dedicadas à educação. O problema está na maneira como se gere esse dinheiro e nas políticas de educativas empregues. Hoje em dia, quase todos os jovens espanhóis têm pelo menos o 12º ano de escolaridade e muitos desses continuam a sua formação nas universidades e institutos superiores. O primeiro problema reside aqui, já que ao contrário de sociedades fortemente baseadas em serviços, a Espanha ainda tem uma economia fortemente baseada na indústria e na agricultura. Apenas este factor seria suficiente para justificar o desfasamento entre a procura e oferta de emprego. Por outro lado, a oferta de empregos com baixos requisitos a nível de formação é constantemente preenchida por imigrantes vindos das ex-colónias, de África, da Europa de leste ou de outras partes do globo. O problema é que o nível de formação profissional dos espanhóis é enganador visto que a qualidade é deficiente. O número de recém-licenciados é bastante elevado mas isto deve-se principalmente à descida das fasquias a todos os níveis de educação, e não ao sucesso do sistema educativo. Por outro lado, número de universidades e institutos superiores é claramente excessivo e a concorrência provoca uma pressão nos professores por parte dos centros de gestão. Quer o financiamento seja público ou privado, este depende fortemente do número de alunos inscritos. Naturalmente, um elevado nível de exigência provoca descontentamento e frustração por parte dos alunos que estavam até a essa altura habituados ao facilitismo e baixos níveis de exigência. Este factor afecta não só as universidades menos conceituadas que têm dificuldade em atrair alunos com elevado nível académico mas também afecta as universidades mais respeitadas devido ao clima de frustração e de insucesso académico gerado pelo fosso entre a formação pré-universitária e a formação base necessária para frequentar um curso superior com elevado nível de qualidade.

Com tantos recém-licenciados e com tão baixo nível de qualidade, as empresas simplesmente não estão interessadas em empregá-los porque isso significaria um investimento muito elevado na formação profissional para poder converter os recém-licenciados em mais-valias para a empresa. Consequentemente, a formação profissional iria beneficiar a concorrência que, sem ter investido nessa formação, iria obter essas mais-valias pela contratação desses licenciados depois de terem obtido a valiosa experiência profissional.

As próprias universidades são geradoras da fraca qualidade educativa pelo sistema de financiamento e pelo sistema de formação professores universitários. Primeiro, o sistema de financiamento é deficiente devido ao fraccionamento excessivo do orçamento para o ensino superior devido ao número excessivo de estudantes e de universidades. Em segundo lugar, existe a própria questão da necessidade por parte das universidades de complementar o seu orçamento com rendimentos obtidos pelos serviços sociais e de apoio educativo, como cantinas, bufetes, reprografias, papelarias, etc. É bastante óbvio que este tipo de serviços deveria ser prestado sem fins lucrativos e que para além disso deveria ser prestada uma ajuda financeira a estudantes com carências financeiras. A redução do número de alunos não só iria aumentar o orçamento per-capita a nível da população universitária como também iria aumentar o nível de exigência para ingressar no ensino superior e deste modo filtrar os estudantes que não têm mérito para frequentar uma universidade. Por outro lado, os estudos de pós-graduação e em especial os de formação de pessoal universitário, como são os doutoramentos, são claramente deficientes devido ao seu modo de funcionamento e ao modo como estão estruturados. Em primeiro lugar, as propinas para este tipo de estudos superiores são claramente baixas o que faz com que o orçamento para a investigação seja também reduzido. Os alunos não saem beneficiados pelo valor reduzido das propinas visto que não injectam nas universidades os fundos que existem disponíveis para os estudos de pós-graduação. Estes fundos têm como função muito importante a filtragem de alunos sem mérito suficiente para frequentar tais estudos e que só não são rejeitados pelas universidades porque estas necessitam de muitos alunos para colmatar as deficiências orçamentais. Pior que o sistema de financiamento, é mesmo a própria gestão. Ao contrário de alguns países que estruturam os doutoramentos de modo a serem compatíveis com uma carreira profissional, em Espanha os doutoramentos estão estruturados para serem apenas frequentados por investigadores das próprias universidades ou de centros de investigação associados a estas mesmas. Para além de afastar pessoas com experiência profissional que poderia ser uma mais-valia a nível de doutoramento, afasta os próprios estudantes da vida profissional. Mais uma consequência grave do orçamento deficiente das universidades é a atribuição de bolsas de doutoramento que requerem que, logo a partir do primeiro ano, os bolseiros dêem aulas nos cursos de licenciatura da universidade. A nível de formação, muitos bolseiros estão pouco distanciados dos seus próprios alunos. Para as universidades estes bolseiros são muito importantes porque representam um recurso humano indispensável, tendo em conta que não têm orçamento suficiente para abrir mais vagas para professores universitários. Sendo assim, os bolseiros representam uma mão-de-obra barata mas sem qualquer garantia de qualidade. Para além disso, a função principal do bolseiro é posta para um segundo plano, uma vez que a investigação passa a ser uma actividade apenas para os tempos livres. Para além de isto reduzir a qualidade da própria investigação, faz com que os grandes projectos internacionais estejam sempre fora do alcance da universidade pela falta de tempo e de dedicação por parte dos bolseiros.

As próprias empresas preferem não promover os estudos de pós-graduação talvez por sentir que as universidades estão demasiado afastadas do mundo laboral e que deste modo não trariam benefícios aos seus centros de investigação e desenvolvimento. Mais uma vez, a estrutura dos doutoramentos não propicia a integração do investigador na empresa, prática comum em muitos países e cada vez mais adoptada.

Por fim, o próprio valor das bolsas é um factor determinante na captação dos potenciais investigadores, uma vez que apresenta um desfasamento importante em relação ao mercado laboral. Para além disso, requer um investimento de vários anos durante os quais não é possível por parte do bolseiro a melhoria da sua qualidade de vida. Essa questão torna-se ainda mais evidente quando ser compara o nível de vida de um bolseiro depois de terminar o seu doutoramento e de um qualquer colega de curso que tivesse ingressado no mercado de trabalho imediatamente após a conclusão do curso.

Todos estes factores apontam as razões para falta de qualidade do ensino superior e a natural dificuldade por parte dos recém-licenciados em conseguir o primeiro emprego. O investimento na educação como factor de desenvolvimento económico-social é claramente pervertido devido a uma gestão errada da própria educação, o que aporta um efeito nefasto na própria sociedade e reduz o índice de empregabilidade dos recém-licenciados. Deste modo pode-se concluir que em certos casos o alto nível de escolaridade é um factor gerador de desemprego.

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